CIT A R T E L I V R E
C O M P A N H I A I N T E R N A C I O N A L D E T E A T R O D E R E P E R T Ó R I O
No ano de 1992, passava, então, o Brasil pelo processo de"impeachment" a Fernando Collor de Mello. Foi o tempo em que milhares de brasileiros saíram para a rua a denunciar e protestar contra o abuso e a corrupção dos políticos.
Collor de Mello que conseguira o poder, através dos trinta e cinco milhões de brasileiros que o votaram nas urnas, comprometera-se a lutar contra a corrupção. Era uma personagem teatral, um jovem governante rodeado sempre por grande espetacularidade. Foi a grande farsa num dos países mais ricos do mundo onde convivem, lado a lado, a miséria e a riqueza.
Cordovani não conseguiu manter-se alheio aos acontecimentos e, em 1995, ano em que se comemorou 50 anos de início do movimento que ficou conhecido na História como “Peronismo”, decidiu produzir um espetáculo sobre a vida de Eva Perón que, assim como Collor, foi uma jovem, polêmica e que marcou um período político breve e contraditório na história da América do Sul. Percebeu que Eva era a personagem ideal para extravasar a sua indignação por um povo que acredita em ídolos fabricados.A vida de Eva Perón é partilhada ainda hoje por estudiosos e populares que perseguem o trajeto de Eva Duarte, menina humilde nascida em 1919 em Los Toldos, Argentina e, que após uma fulgurante carreira de atriz de rádio e cinema, se torna Primeira Dama, companheira e mulher de Juan Perón, num país rico e poderoso.
A subida e queda de Evita, as paixões que desencadeou, a força que transmitiu, o seu posicionamento ao lado dos humildes (os seus “descamisados”), a luta incansável que travou com os poderosos, as diferenças irreconciliáveis que a distanciavam da sociedade argentina, a sua demarcação dos oligarcas, o quase ódio que verteu sobre eles, a coragem a esconder as fragilidades da doença, o mundo de jóias e peles por onde arrastou a sua beleza, tudo isto marcou uma personagem romântica que acabou por exercer no seu país uma autoridade absoluta.Amada e exaltada pelos pobres, odiada pelos políticos e detentores da riqueza, Eva Perón vê reforçado o seu carisma pela máscara que afivela a sua doença que a atira para amorte, aos 33 anos.
Por detrás da sua fragilidade, pela obstinação com que defende os seus princípios, pela obsessão com que pretende resguardar a sua imagem, pelo sonho com que demarca a sua passagem e transmite aos mais carenciados, Evita é a face dum Peronismo que foi a grande ilusão de uma América sofrida.É esta trajetória que Roberto Cordovani persegue através do texto que deu corpo à obra “Eva Perón, O Espectáculo”.
Trabalho minucioso e de rigor que o fez investigar junto a Iolanda Aldrei e Angelo Bréa múltiplas obras sobre o período político vivido na Argentina e sobre a vida da mulher que deu face a um momento único na vida dum país que nunca mais a esqueceu. O que mais apaixonou o Autor-Ator foram a interioridade da personagem, as interrogações, a voluntariedade, o disfarce.A montagem de “Eva Perón, O Espectáculo” é de grande rigor e ambição. Nela se envolveram e se envolvem diversas pessoas entusiasmadas com o projeto que demorou, na primeira montagem em 1995, um ano para se concretizar.
Desde a pesquisa de dados sobre a envolvência que rodeou os espaços onde se movimentaram os Governantes da Argentinana época, até a pequenos pormenores onde se cruzam as linhas arquitetônicas que viriam a servir de base ao cenário.Empenhado é o trabalho dos estilistas. Recriar o esplendoronde se movimentou Eva Perón, marcado pelo luxo e requinte.
Assim, sobre documentos da época, foram recriados 9 figurinos de alta costura que constituem um magnífico desfile de moda dos anos 40/50. Procurou-se uma certa simbologia na cor que remete para as tonalidades entre os ocres, castanhos, beges, brancos...Não há uma cor berrante, como se aquelas tonalidades respondessem por uma época dourada mas com traços de profunda melancolia.A iluminação remete para o sépia e reforça a unidade da cor dos figurinos.
Quarenta e cinco minutos demora Roberto Cordovani a “transforma-se” em Eva Perón. Eu diria mesmo a Ser Evita. É um trabalho exemplar que vai do pequeno pormenor da breve massagem facial, à exigência das perucas, ao requinte da maquilagem, ao jogo de corpo, à colocação da voz que se vai modificando ao correr do tempo, implacável, do esplendor à morte.
A banda sonora, importante neste trabalho, privilegia um período de contrastes entre variadas tendências musicais do tempo, ressaltando os períodos de deslumbramento e sublinhando o fervor das massas e antevendo a antecipação da decadência, reações contraditórias, sentimentos latentes ou mergulhados no interior das personagens.
Antes de Eva Perón, Bruno Portela e Cordovani trabalhavam sobre a vida da espiã Mata Hari que seria o próximo espetáculo da Companhia. Entretanto, faltava algo que os inspirasse e que trouxesse um certo glamour para interpretar um papel feminino. Algo forte e transgressor, a exemplo das várias “mulheres da vida” de Cordovani já representadas por ele.Assim, através de Bruno, surgiu a idéia de fazer a nova montagem de Eva Perón para 2011 e apresentação em julho 2012, nos palcos argentinos, quando na oportunidade Evita completará 60 anos de falecimento.Para abrir a turnê de Eva Perón, O Espectáculo, o local escolhido para a estreia mundial, foi a Ilha da Madeira, onde a Companhia retorna 16 anos depois, desde a sua primeira estreia, com um novo elenco, novo texto e figurino de requinte. Eva Perón, O Espectáculo, não procura discutir o fenômeno do Peronismo, nem as linhas duma ideologia. Trata, sim, da ascensão e queda de Eva Perón, independentemente dos parâmetros partidários.O resultado é mais um mergulho na interioridade. É umconfronto de emoções, é um lastro de entrega a um ideal, é a obsessão pela defesa de uma imagem, é a fronteira entre aforça e a fragilidade, entre a coragem e a fraqueza. É mais uma abordagem ao Mito de Evita. Inquietante na asa da emoção.
Eva Perón, O Espectáculo
Roberto Cordovani, Iolanda Aldrei e Angelo Brea
Roberto Cordovani, Bruno Portela, Montse Fervenza e Javi Toste





